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A relação médico-paciente agoniza
Desde que me formei, em 1977, a Medicina fez imensos progressos do ponto de vista técnico, destacando-se os fantásticos diagnósticos por imagem em diversas áreas, as cirurgias cada vez menos invasivas, com alto percentual de cura e baixa morbidade; drogas potentes contra doenças até então incuráveis ou de difícil controle; a melhor compreensão e utilização do código genético, com possibilidades reais de terapia genética. No Brasil, as campanhas de vacinação, cada vez mais bem planejadas e executadas, levaram ao virtual desaparecimento de doenças graves como paralisia infantil e o sarampo. Avanços incontestáveis, que proporcionaram aumento da média e da qualidade de vida para todos.
Na oftalmologia, os progressos foram excepcionais: a cirurgia da catarata, com micro incisões e lentes dobráveis; as diversas possibilidades de diagnósticos e tratamentos com a tecnologia dos lasers nas doenças de retina e vítreo; as cirurgias refrativas; múltiplas drogas para controle do glaucoma; anti-angiogênicos para doenças vasculares e outras tantas aquisições, permitiram reduzir drasticamente os índices de cegueira.
Porém nem tudo são flores!... Neste mesmo período, os hospitais públicos e ambulatórios, onde a grande massa da população é atendida, apresentaram degradação progressiva e, hoje, muitos encontram-se em estado lamentável. O descaso das chamadas autoridades, em todas as esferas de governo e ao longo de muitos anos, estendeu-se também aos profissionais de saúde, que passaram a ter remuneração que podemos chamar de aviltante, sem medo de errar. Condições inadequadas de trabalho e a falta de remuneração justa fazem com que muitos jovens com grande potencial percam o interesse em se tornarem servidores públicos, prejudicando ainda mais o atendimento à população carente.
Ao mesmo tempo, na medicina privada ocorreu uma aberração na relação médico-paciente com a proliferação de empresas de intermediação dos serviços médicos, que funcionam como verdadeiros atravessadores, trazendo as conseqüências por nós sobejamente conhecidas, uma das quais, no entanto, não posso deixar de ressaltar: a insegurança no diagnóstico, devido ao pouco tempo para as consultas, provocando uma escalada na solicitação de exames complementares, expondo o paciente a riscos desnecessários, principalmente nos exames invasivos, com aumento da iatrogenia.
Ao lado dessa indústria de exames e procedimentos complementares, que chamo de “aparelhose”, surgiram os super-especialistas, muitas vezes importantes, mas que, com alguma freqüência preocupam-se mais com o resultado dos exames do que com o próprio paciente, suas queixas e suas expectativas.
Apontar culpados é relativamente fácil, mas se houve distorções ao longo do tempo devemos reconhecer que nós fazemos parte deste processo e também contribuímos, de algum modo, para que isto ocorresse. Mas um fato é inegável, apesar dos imensos avanços científicos a nossa Medicina está doente, a relação médico-paciente está agonizando!
